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Consumo de pornografia só aumenta na pandemia: estamos viciados?

Universa

09/08/2020 04h00

Photo by Andrea Piacquadio from Pexels

Com a continuidade da pandemia e a necessidade de nos mantermos, dentro do possível, em isolamento, tem acontecido de pessoas próximas virem me consultar para pedir dicas de onde comprar seus sextoys e, também, onde assistir pornografia.

O interessante é que, em ambos os casos, as perguntas são majoritariamente feitas por mulheres. O que não significa que elas não se interessassem por esses assuntos antes, mas talvez estivessem mais envolvidas em outras atividades, em encontros reais ou apenas não tenham sido "educadas" a consumir pornografia. É uma hipótese.

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E essa hipótese vem acompanhada de um relato que li um dia desses, num grupo fechado de facebook, de um homem solteiro que, por conta do isolamento social já não aguenta mais assistir pornô. Segundo ele, os últimos meses foram de puro vício, mas agora ele se deu conta do que estava rolando e aboliu de vez esse tipo de entretenimento.

Essa percepção de vício em pornografia faz bastante sentido, principalmente na situação atual, em que temos sido privados de muitas atividades e acabamos tentando encontrar outras válvulas de escape da angústia do dia a dia. O Pornhub, um dos sites de conteúdo adulto mais populares do mundo, vem apresentando aumentos consideráveis de consumo de pornografia desde o início da pandemia, com um destaque para o Brasil:

Via Pornhub Insights

Pensando nisso, resolvi consultar um especialista sobre o assunto, o Fernando Calderan, médico psiquiatra, terapeuta sexual, prescritor de Cannabis Medicinal em Santos. Ele escreve para o blog Espaço Consciência e aceitou gentilmente a responder as minhas dúvidas sobre vício o tema:

A pandemia e a necessidade de isolamento social podem gerar um ambiente propício para o desenvolvimento de vícios?
Sim. Com certeza a quarentena trouxe vários desajustes. O isolamento pode ser um campo fértil para compulsões a medida que combina solidão e ansiedade.

O tema é recorrente em seus atendimentos? Quais são as queixas de quem percebe esse tipo de problema?
Vicio em pornografia é um problema que tem se tornado cada vez mais comum. A insatisfação vem da parceria na maioria das vezes. Quando a própria pessoa busca ajuda é por conta de estar interferindo no trabalho e relacionamentos, gerando sintomas ansiosos ou depressivos.

E é possível traçar um perfil comum a essas pessoas?
Não existe um perfil pré definido, mas está associado mais frequentemente a personalidades ansiosas, entre os mais jovens e momentos de vida de baixa estima, desemprego, perdas recentes. Pessoas deprimidas e ansiosas tendem a ter uma maior probalidade de consumo excessivo na tentativa de alívio desses sintomas.

Alguns grupos defendem a abolição da pornografia, enquanto outros argumentam que se trata de um entretenimento como qualquer outro e que é possível consumi-lo de forma saudável. A partir dos seus atendimentos e vivência no consultório, qual a sua visão sobre o tema?
A própria existência do "vicio" em pornografia é controversa. Pois não existe um parâmetro de normal e anormal. Ela afeta em torno de 1 a 3 % dos consumidores de pornografia, portanto o índice é baixo. Caso o consumo comprometa o funcionamento pragmático ou psíquico do indivíduo é considerado um questão que precisa ser tratada. A pornografia também traz liberdade, reduz estresse, ensina sobre sexualidade (as vezes de maneira perversa e pejorativa), traz possibilidade de vivências de fantasias e fetiches. Portanto também pode ter aspectos positivos.

E o que caracteriza o vício em pornografia?
Consumo prejudicial seria comprometimento físico e ou psíquico, gerando sintomas ou prejuízos funcionais em diferentes áreas da vida ( trabalho, relacionamentos, família, etc).

Quem está em dúvida se tem uma relação saudável ou não com esse tipo de conteúdo, quais são os indícios de que é preciso tomar cuidado?
Pontos a serem observados: quanto tempo gasta por dia com pornografia, se diariamente ou esporadicamente. Se ter orgasmo está se tornando possível somente com o consumo da pornografia. Se ela está aumentando afim de "tratar" uma depressão, ansiedade ou está relacionada a alguma perda. Se existe urgência ou necessidade de consumir pornografia de forma crescente.

Você tem dicas práticas para quem deseja consumir pornografia, mas não quer se tornar dependente dela?
Pornografia pode ser mais uma forma de explorar o mundo da sexualidade, sem se tornar uma necessidade e sem depender dela para nada. 

Espero que essas informações sejam úteis para quem está se questionando sobre o consumo excessivo de material pornográfico. Vivemos momentos difíceis, com desafios inesperados e, cuidar da nossa saúde mental, tornou-se ainda mais fundamental.

Comportamentos que atrapalham a vida cotidiana, amorosa e o trabalho, merecem atenção e, muitas vezes, a ajuda de profissionais capacitados, como o Dr. Fernando, para tratar do assunto.

Cansamos de ouvir: "tudo em excesso faz mal", mas essa frase não é um clichê à toa. Vale lembrar que ela se aplica, inclusive, ao que encaramos como entretenimento.

 

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Sobre a autora

Mayumi Sato é meio de exatas, meio de humanas. Pesquisadora e diretora de marketing do Sexlog quer ressignificar a relação das pessoas com o sexo e, para isso, acredita que é preciso colocar a mão na massa, o que inclui decodificar o comportamento humano. Ao longo dos anos, estudando e trabalhando com o mercado adulto, passou a fazer parte de uma rede de mulheres interessadas e ativistas no assunto, por isso sabe que não está – não estamos – só. Idealizadora do cínicas (www.cinicas.com.br) e feminista sex-positive.

Sobre o blog

Dados e pesquisas sobre sexo e o comportamento dos brasileiros entre quatro paredes. Muita informação, tendências, dados – e experiências próprias! - sobre o assunto. Um espaço para desafiar tabus e moralismos em torno do sexo.

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