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Mayumi Sato

Para um sexo mais livre, precisamos rever nossas relações

Universa

28/03/2018 05h00

Diferencie atitudes violentas de amor em excesso (Getty Images)

O mês de março foi marcado por reflexões importantes por conta do Dia da Mulher. Aqui nesse espaço, falo sobre sexo, relacionamentos, diálogo e consenso, mas infelizmente esses são termos que ainda não estão vinculados uns aos outros na vida da maior parte das mulheres brasileiras.

Levanto a bandeira das relações liberais, abertas e sinceras, ciente da minha posição de inúmeros privilégios que permitem, pra começar, que eu possa refletir sobre essas questões.

Se vamos propor novos modelos de relacionamentos e o diálogo para práticas sexuais livres, é uma etapa importante rever toda a forma com que homens e mulheres se relacionam para muito além do sexo.

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Uma ação super relevante que aconteceu nessas últimas semanas foi conduzida pela Rede Feminista de Juristas, a campanha "Pra não Rimar Amor e Dor". Através dela, a rede coletou relatos de mulheres que já passaram por relacionamentos abusivos, com o objetivo de ajudar mulheres a identificar violências muitas vezes sutis e disfarçadas na subjetividade de uma relação, como já foi feito em campanhas como #EleNãoTeBate.

Afinal, não deveria ser normal se sentir a(o) histérica(o) em uma relação, muito menos diminuída(o), culpada(o) ou confundir atitudes violentas com "amor em excesso". Infelizmente, muitas vezes é difícil se enxergar na condição de vítima.

Mas o que caracteriza um relacionamento abusivo? Escolhi alguns trechos dos depoimentos concedidos à Rede Feminista de Juristas* que mostram atitudes de  violência psicológica explícita ou velada.

Você faz sexo com ele, mesmo sem vontade"Não poderiam passar mais do que dois dias sem ter sexo – acabei fazendo sem querer. Chorando sem ele perceber. Várias vezes ele queria fazer sexo anal, as vezes não parava mesmo eu tendo pedido"

"Ele havia sido meu único parceiro sexual e isso acabou prejudicando minha percepção das experiências. Como tudo era feito com muita violência, bem pautado nessa formação pornográfica que os homens têm, eu não gostava de transar. Mas ele me fazia acreditar que era porque eu era frígida, inclusive ameaçando terminar comigo se eu não me tornasse uma 'novinha fogosa'"

Ele não te deixa ter amigos do sexo oposto

"Eu estudava e estava cursando o ensino médio. No começo era tudo lindo, ele me tratava com carinho… Com um ano de namoro começaram os abusos, ele dizia que tinha que parar com as minhas amizades: 'nunca vi mulher de família ter amizade com homens', 'se não se afastar dessas amizades vou terminar"

Ele te coloca contra amigos e família

"Ele procurou razões porque minha família e meus amigos não prestavam, tanto que acabei me afastar de todos, perdendo o contato com quase todos eles, e me afastei da minha família, que sempre tive muito próximo. Ele sempre falava que o mundo lá fora não podia entrar 'aqui dentro de casa'.'Depois da briga ele me ignorava dentro de casa por dias. O problema era ele, não eu, mas isso só entendi depois de muito tempo. Já sem amigos e família por perto, fiquei dependente e carente do 'amor' e da atenção dele"

Ele te diminui o tempo inteiro

"Sempre que debatíamos algo a opinião dele prevalecia sobre a minha, pois ele me dizia que eu era boba, ingênua. Sempre criticou meu jeito de ser, minha forma de querer ajudar as pessoas, além de sempre falar sexualmente de outras meninas, o que me deixou com uma autoestima baixa. Ele me dizia que eu não tinha graça, e eu acreditei que não existia nada interessante em mim"

Ele te faz sentir culpada

"Começou com um apego muito grande, queria sempre estar comigo e ficava chateado se não podia me ver, até mesmo com os horários do meu trabalho. Quando tinha atitudes extremamente agressivas, com agressões verbais, depois chorava, pedia perdão e dizia não aconteceria mais.Com o tempo, tudo era minha culpa, de alguma forma ele sempre achava maneira de virar contra mim. Comecei a ter surtos nervosos de choro, gritos, apagões, ansiedade e engordei muito"

"Era impossível conversar com ele sobre muitos assuntos; em qualquer situação ele achava que eu o estava cobrando, como tentativas minhas de deixar a vida mais igual entre nós, como com a divisão do trabalho doméstico – ele reagia mal, tentando inverter a situação e me fazia sentir como se eu fosse malvada e opressora por querer que ele se comunicasse direito comigo"

Ele já te agrediu fisicamente

"Voltamos pra casa e tivemos uma discussão por causa de ciúmes… Me bateu na cara 2 vezes. Fui para o quarto fugir dele, e ele conseguiu entrar, e me prendeu na cama, deitando em cima de mim e me segurando pelos braços. Fiquei com muito medo de ser estuprada, ele se aproximou e ficou falando calmamente no meu ouvido "você é uma escrota", "você merece isso porque é uma escrota". Quando consegui ir pra delegacia, fui dispensada. O delegado se recusou a fazer o BO, pois disse que tem mulheres que gostam de apanhar, e de ser amarradas, e de ficarem presas. E ficou um tempo sexualizando minha violência até eu sair de lá"

* Você pode acessar os relatos completos na página da Rede Feminista de Juristas no Facebook.

As relações abusivas têm muitas nuances, e por isso reconhecer que se está em um relacionamento desses já é o primeiro passo para buscar ajuda. E você, o que faz para tornar seu (ou seus) relacionamento mais saudável?

Sobre a autora

Mayumi Sato é meio de exatas, meio de humanas. Pesquisadora e diretora de marketing do Sexlog quer ressignificar a relação das pessoas com o sexo e, para isso, acredita que é preciso colocar a mão na massa, o que inclui decodificar o comportamento humano. Ao longo dos anos, estudando e trabalhando com o mercado adulto, passou a fazer parte de uma rede de mulheres interessadas e ativistas no assunto, por isso sabe que não está – não estamos – só. Idealizadora do cínicas (www.cinicas.com.br) e feminista sex-positive.

Sobre o blog

Dados e pesquisas sobre sexo e o comportamento dos brasileiros entre quatro paredes. Muita informação, tendências, dados – e experiências próprias! - sobre o assunto. Um espaço para desafiar tabus e moralismos em torno do sexo.

Mayumi Sato