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Demissexual: talvez você seja e não saiba!

Universa

02/08/2020 04h00

Photo by Anna Shvets from Pexels

Dia desses passei vergonha ao mencionar que uma festinha online programada para o fim de semana seria voltada para o público GLS. Pelo zoom, percebi os olhares confusos dos meus amigos millennials que, atordoados, deram um google na mesma hora pra entender do que eu estava falando.

GLS é uma sigla antiga, superada, que lá nos anos 80 tentava explicar orientações sexuais para além da heterossexualidade. G é de gay, L de lésbica e S de simpatizante. Ou seja, deixava muita gente de fora, sem uma classificação assertiva de diversas outras orientações sexuais e identidade de gênero. Pra nossa sorte, de lá pra cá o mundo passou por muitas transformações e uma delas foi a de substituir a sigla GLS por uma mais abrangente, sendo hoje em dia o mais correto mencionar a sigla LGBTQI+.

Motivada pelo meu próprio ato falho, tratei de dar uma olhada nessa lista atualizada de orientações e identidades de gênero e, ao pesquisar a fundo, me deparei com uma definição interessante, a da demissexualidade: pessoas cuja atração sexual surge somente quando existe um envolvimento emocional, afetivo ou intelectual.

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Pode ser que você esteja pensando o mesmo que eu: "talvez então eu seja demissexual". Mas o que exatamente difere alguém que é "demi" de outra pessoa que também se atrai sexualmente por quem elas se envolvem emocionalmente?

Bom, digamos que no caso da pessoa demi, isso acontece 100% das vezes. Ou seja, não há possibilidade dela se interessar sexualmente por alguém e DEPOIS haver conexão entre elas. A conexão é, invariavelmente, o gatilho inicial de qualquer possibilidade de atração sexual.

Para tirar as nossas dúvidas fui falar com duas pessoas demi para que elas pudessem explicar melhor: Conversei com a Camila (21 anos, Bauru/SP) e com o Rafael (33 anos, Macatuba/SP) e aprendi muito com eles:

Como vocês definem a demissexualidade?

Camila – A definição mais comum é algo como "sentir atração sexual somente quando há uma relação de intimidade, afeto ou carinho". Pra mim, a demissexualidade é uma forma de viver a sexualidade sem que o ato sexual seja central ou essencial. O sexo pode até ser fonte de prazer, mas o prazer não vem só dele, está muito mais em ter um momento de carinho a dois, independentemente de fazer sexo.

Rafael – Minha definição é aquela em que, para que haja o interesse sexual, primeiro é necessário algum tipo de conexão afetiva.

Para vocês, se relacionar com alguém que também é demissexual é importante ou não faz diferença?

Camila – Isso ainda não aconteceu, mas não acho que seja necessário/essencial, mas seria interessante, talvez facilitasse algumas situações. Por exemplo, muitas vezes quero ter um momento de carinho, de toque, que não tenha uma conotação sexual, que não seja "preliminar" pra algo que vem depois.

Rafael – Desde que o parceiro compreenda e respeite, por mim tudo bem. O importante é ser uma pessoa bacana.

As pessoas mais próximas de você sabem sobre a sua demissexualidade? É algo fácil de explicar e delas entenderem?

Camila – Poucas pessoas sabem, não é algo que eu comento muito. Tenho sorte que minhas amizades são bem abertas e dispostas a escutar. Não sei se os outros entendem, mas de forma geral eu me sinto acolhida. As situações mais difíceis aparecem quando eu estou conhecendo alguém, quando acho que as pessoas esperam que em algum momento algo de sexual aconteça (pode ser um beijo mesmo).

Rafael – Os amigos mais próximos sabem. Inclusive, em sua maioria, eles são bem sintonizados em assuntos sexuais e devem ter ouvido falar sobre o tema antes de mim rs.

Qual a confusão mais comum que as pessoas fazem quando pensam sobre demissexualidade?

Camila – Ela é compreendida no espectro da assexualidade. Nesse sentido, é comum que as pessoas confundam esses dois termos, ou seja, que as pessoas pensem que demissexuais não sentem atração sexual em nenhum momento, ou que não gostem nunca de ter relações sexuais. Isso varia de pessoa para pessoa. Mas uma preocupação minha é de que as pessoas interpretem como uma espécie de "moralidade", algo do tipo "sexo só depois do casamento". O que não tem nada a ver.

Rafael – Sendo homem, acho que a principal confusão foi o questionamento da minha "masculinidade". Foi mais agudo durante a adolescência, quando meus amigos – de ambos os sexos – não aceitavam que eu me recusasse a ficar com uma menina que estava interessada em mim. Uma dúvida recorrente que tive que responder mais vezes do que gostaria: 'se eu gosto de mulheres e sou um grande admirador da beleza feminina'. quando vejo uma bela mulher, o sentimento que primeiro me ocorre é o da apreciação, o encanto. A atração sexual vem depois, com o afeto.

Em que momento vocês se entenderam demissexuais?

Rafael – Quando eu comecei a sentir uma grande atração sexual por uma amiga, que depois viria a ser minha primeira namorada.

Camila – Na adolescência eu já percebia que não tinha muito interesse em ficar com outras pessoas, flertar, beijar, etc. Mas às vezes a gente acha que precisa se comportar de uma certa forma porque é o "normal". É "normal" gostar muito de sexo, por exemplo, pelo menos é algo que eu escuto bastante. Por causa disso, muitas vezes acabei me colocando em situações que me deixavam muito desconfortável. Sempre foi um sentimento constante de "o que eu tô fazendo aqui?".

Nessa época me deparei com alguns textos sobre demissexualidade e foi como se alguém tirasse um peso da minhas costas! Tudo fez sentido. Significava que eu não tinha nenhum defeito por achar que sexo nem é "tudo isso" que todo mundo fala.

Quando entrei na universidade fiquei um pouco confusa, mas me deparei novamente com um texto sobre o assunto, por causa de um grupo de estudos que eu participo, e acabei descobrindo sobre outras "posições" no espectro da assexualidade, posições que as pessoas chamam de "área cinza" ou gray-a. De forma bem geral, as pessoas da área cinza podem sentir atração sexual em determinadas situações, mas não é sempre. Foi como se eu me encontrasse de novo. Fiquei muito emocionada lendo o texto, porque outra vez eu tinha construído a ideia de que eu tinha algum problema e que por isso não conseguia me aproximar das pessoas. Então hoje eu me identifico tanto com a demissexualidade quanto com essa área cinzenta.

Existem grupos/locais/sites para se informar e conversar sobre o tema?

Camila – Até tem, mas eu não conheço muita coisa. Sei que existem grupos no Facebook e o trabalho de um coletivo muito legal chamado Abrace.

Rafael – Talvez blogs que abordam sexualidade, mas nunca procurei me informar sobre. Eu meio que descobri o termo por acaso lendo um deles.

Se descobrir demissexual trouxe alguma mudança para a sua vida?

Camila – Pra mim, é interessante perceber como as pessoas reproduzem certos comportamentos sem pensar ou prestar atenção no porquê estão agindo de um forma ou de outra. Por isso, no meu caso, me identificar com a demissexualidade me ajuda a me respeitar, reconhecer o que eu quero e o que eu não quero, o que faz sentido pra mim e o que não faz e poder falar sobre isso. E tudo fica mais fácil quando você descobre que outras pessoas sentem de uma forma semelhante, porque a partir desse momento existe um reconhecimento e você percebe que seus sentimentos são válidos.

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Sobre a autora

Mayumi Sato é meio de exatas, meio de humanas. Pesquisadora e diretora de marketing do Sexlog quer ressignificar a relação das pessoas com o sexo e, para isso, acredita que é preciso colocar a mão na massa, o que inclui decodificar o comportamento humano. Ao longo dos anos, estudando e trabalhando com o mercado adulto, passou a fazer parte de uma rede de mulheres interessadas e ativistas no assunto, por isso sabe que não está – não estamos – só. Idealizadora do cínicas (www.cinicas.com.br) e feminista sex-positive.

Sobre o blog

Dados e pesquisas sobre sexo e o comportamento dos brasileiros entre quatro paredes. Muita informação, tendências, dados – e experiências próprias! - sobre o assunto. Um espaço para desafiar tabus e moralismos em torno do sexo.

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