Topo

Mayumi Sato

Gostou de "50 Tons de Cinza" e "365DNI"? Você precisa saber o que é BDSM

Universa

12/07/2020 04h00

Photo by JESHOOTS.com from Pexels

Se você habitou o planeta Terra nos últimos anos, deve ter ouvido falar de dois filmes cuja popularidade só se compara às suas gigantescas polêmicas: Cinquenta Tons de Cinza e o mais recente, 365DNI.

Os dois filmes surpreendem primeiro pelas suas cenas de sexo e nudez, um ou dois tons acima do que estamos acostumados no cinema convencional e depois, por serem alvo de críticas justas ao fato de romantizarem relações de abuso, relacionando-as com práticas sexuais fetichistas.

Pessoas praticantes de BDSM, sigla que engloba interessados em sadomasoquismo, dominação, submissão e outras cositas más, também se uniram às reclamações. Os filmes, dizem eles, colaboram com uma visão distorcida da prática, reforçando um estigma comum e equivocado que relaciona fetiches consensuais, realizados entre adultos capazes e sãos, com comportamentos sombrios e violentos.

Dito isso, precisamos reconhecer que – pelo menos – filmes como esses abrem uma discussão em torno de assuntos permeados de tabu e, para os mais atentos, cria uma possibilidade de se aprofundar no tema e entender o que é, de fato, o BDSM.

Para nos ajudar nessa missão eu chamei o Felipe B., carioca que transita na cena alternativa BDSM do Rio de Janeiro há quase 30 anos. Fiz algumas perguntas que, acredito, são as principais dúvidas de quem não está familiarizado com o tema:

Felipe, explica de uma vez por todas, o que é o BDSM?
"É o nosso mundo "secreto" por trás da sigla BDSM, que inclui bondage (todas as formas de restrição de movimento), disciplina (dominação, submissão, pet play, age play e outras formas de controle erotizado) e sadomasoquismo. Só vale se for consensual e entre adultos psicologicamente sãos."
Ou seja, o consenso é parte fundamental de quem pratica o BDSM. Se não tiver um consenso verbal e prévio, aí sim, estamos falando de uma relação de abuso.

Os filmes usam e abusam de chicotes, roupas de couro, apetrechos estranhos e curiosos para apresentar as práticas, pra entrar na cena BDSM, precisa de tudo isso?
"Muitas vezes, as situações mais intensas acontecem com meros comandos verbais e obediência, sem apetrechos. Mas a presença de artefatos de controle e que provoquem dor sempre é bem-vinda e produz uma miríade de sensações eróticas mais amplas do que o "sexo tradicional" que chamamos de "baunilha".
Chicotes, coleiras, adereços anais, plugs, mecanismos para controle de abertura dos orifícios são brinquedos comuns. Os mais avançados montam masmorras estilizadas e existem diversos fabricantes brasileiros das "máquinas de tortura". Não é para todos os gostos."

Opa, você falou em "tortura" e isso já dá um sinal de alerta! É uma prática realmente segura?
"A segurança deve estar presente, assim como a certeza sobre a saúde das partes envolvidas, quando envolvemos sangue e secreções. A safe word (palavra de segurança) é um recurso útil para evitar que uma pessoa submissa seja submetida a dor, desconforto e humilhação além do que pode suportar, mesmo de forma consensual. Entretanto há quem não adote essa forma de interromper o ato. Em caso de boca impedida de proferir palavras, pode-se combinar um sinal. Grande parte dos jogos de dominação são psicológicos e comportamentais, não envolvendo necessariamente atividade sexual, mas quase sempre culminando nela."

E como as pessoas se descobrem fetichistas e interessadas em BDSM? De onde surge essa sensação de prazer e dor ao mesmo tempo?
"O caminho para "começar" é interno. O princípio é a pergunta: te excitam as situações de dominação, dor, submissão e restrições de sentidos, mesmo fora da esfera fetichizada?
Muita gente desperta para essa vertente após situações nas próprias experiências sexuais e relacionamentos. Uma palavra que "bateu" diferente, um tapa (ou série deles) durante o sexo baunilha, as sensações contraditórias numa traição e o prazer obtido na confirmação pelo outro, um gozo involuntário ao perder o controle ao urinar e excitar-se ao ver o fluxo fora da situação tradicional, sozinho ou com alguém.
Muitos desses estímulos antecedem a construção de sexualidade da vida adulta e são fomentados muito cedo. Portanto, é preciso discernimento e atenção, para que uma situação diferente do prazer não seja aproveitada de forma equivocada por incautos."

Por fim, onde alguém pode iniciar na prática na vida real (depois que a pandemia passar, claro)?
"Aqui no Rio, um dos principais grupos para acolher novatos é o Masmorra Carioca. Seletivo e cuidadoso, é um espaço seguro para buscar informação e iniciar-se com quem é mais experiente.
Eu sigo solo, pois não adoto a liturgia da "cena", mas entendo que muitos são atraídos para o BDSM justamente por essa aura exótica."

Felipe ainda completa que, de tudo o que ele mencionou, segurança e consentimento devem estar em primeiro lugar, além disso "o que importa é o gozo e ampliar os limites do auto conhecimento e das forma possíveis de compartilhar prazeres sacanas."

E você, já praticou? Tem vontade? Conta nos comentários!

Sobre a autora

Mayumi Sato é meio de exatas, meio de humanas. Pesquisadora e diretora de marketing do Sexlog quer ressignificar a relação das pessoas com o sexo e, para isso, acredita que é preciso colocar a mão na massa, o que inclui decodificar o comportamento humano. Ao longo dos anos, estudando e trabalhando com o mercado adulto, passou a fazer parte de uma rede de mulheres interessadas e ativistas no assunto, por isso sabe que não está – não estamos – só. Idealizadora do cínicas (www.cinicas.com.br) e feminista sex-positive.

Sobre o blog

Dados e pesquisas sobre sexo e o comportamento dos brasileiros entre quatro paredes. Muita informação, tendências, dados – e experiências próprias! - sobre o assunto. Um espaço para desafiar tabus e moralismos em torno do sexo.

Mayumi Sato